Agustín Masgrau: o projetista de supercarros europeus que veio fazer ônibus no Brasil
Catalão que desenhou o lendário Pegaso Z-102 Cúpula mudou-se para o Rio em 1969

Neste 31 de maio, Agustín Masgrau Mur completaria 100 anos. Projetista catalão, ele trabalhou para a Pegaso, marca que já foi considerada “a Ferrari espanhola”. Uma de suas criações, o Z-102 Cúpula, tornou-se um dos supercarros mais famosos dos anos 1950. Um belo dia, porém, Masgrau resolveu mudar e veio para o Brasil, onde desenhou de ônibus a máquinas pesadas, até se aposentar — e ou o fim de seus dias nas praias de Saquarema, no Rio de Janeiro. É uma história que merece ser contada…
Agustín Masgrau nasceu em Barcelona, em 31 de maio de 1925. Seu pai era motorista de um ministro, mas chegou a trabalhar em projetos da fábrica catalã Elizalde, que produziu carros de luxo entre 1914 e 1927.
A penúria dos anos posteriores à Guerra Civil Espanhola (1936-1939) não permitiu que Masgrau cursasse a sonhada faculdade de Engenharia. Em vez disso, foi trabalhar como auxiliar de projetos na companhia de bondes de Barcelona. De trabalho em trabalho, participou do desenvolvimento de uma moto — a Ardilla 125 E — até que conseguiu uma vaga na recém-fundada Enasa-Pegaso.
Galeria: História automotiva - Agustín Masgrau
O que era a Pegaso?
Após a Segunda Guerra, o engenheiro catalão Wifredo Ricart foi chamado para liderar a criação de um novo grupo automotivo espanhol, a estatal Enasa (Empresa Nacional de Autocamiones S.A.), construída sobre os restos da histórica Hispano-Suiza, em Barcelona, e responsável pela marca Pegaso — a pronúncia em espanhol é “Pegásso”.
O jovem Agustín Masgrau foi incorporado ao time em 1950. A companhia dava carta branca à sua equipe de estilo e ousava até nos desenhos de veículos comerciais. Rapidamente, Masgrau foi promovido a chefe de projetos de carrocerias e da seção de veículos especiais, ando a responder diretamente a Ricart.
O objetivo principal da Enasa era fabricar caminhões e ônibus Pegaso, mas logo Ricart (antigo engenheiro-chefe da Alfa Romeo) começou a construir carros esportivos sob o pretexto de divulgar internacionalmente o nome da marca, além de atrair e treinar uma força de trabalho qualificada. Assim nasceu, em 1951, um rival espanhol para as Ferrari da época.
O Pegaso Z-102 tinha motor V8 dianteiro com bloco e cabeçotes de alumínio, 2,5 litros (cilindrada que aumentou para 2,8 litros com o tempo), quatro comandos, câmaras hemisféricas e cárter seco. A potência variava de 160 cv a 260 cv — uma enormidade para aqueles tempos. O câmbio de cinco marchas ficava na traseira, atrelado ao diferencial (transaxle). Outros destaques técnicos eram a suspensão dianteira independente de duplo A, eixo traseiro De Dion e freios a tambor traseiros montados internamente.

Pegaso Z-102 Bisiluro (1)
A Pegaso vestiu os primeiros protótipos do Z-102 com carrocerias de aço com design próprio, incluindo o carro que estreou no Salão de Paris de 1951. Ricart, Masgrau e equipe desenharam ainda a berlineta de testes “Cangrejo” (Caranguejo). Foram feitas 22 carrocerias esportivas na Enasa.
Também criaram o Pegaso Z-102 Bisiluro (do italiano bi + siluro, ou “dois torpedos”), ou Catamaran. Seu visual era estranhíssimo, baseado em conceitos aeronáuticos e também do piloto de competições Piero Taruffi. Originalmente, esse Pegaso especial deveria disputar as 24 Horas de Le Mans em 1953, mas a fabricante catalã desistiu do intento. Em vez disso, levou o bólido para o retão de Jabbeke, trecho de uma rodovia na Bélgica onde fabricantes europeus batiam recordes de velocidade. Lá, o Bisiluro catalão alcançou 250 km/h — um espanto!
Depois, a Enasa-Pegaso recorreu a renomados encarroçadores, como a Saoutchik, de Paris; a Carrozzeria Touring, de Milão; e a Carrocerías Serra, de Barcelona, responsáveis por finalizar a maioria dos exemplares de produção. Um exemplo é o único Pegaso Z-102 existente no Brasil, que está no Museu Carde, em Campos do Jordão (SP), com carroceria Saoutchik.

Pegaso Z-102 BS Cúpula Berlinetta por ENASA (#0121) _1952 - d
Revolução: Pegasso Cúpula
Agustín Masgrau, porém, ainda teve tempo de criar sua obra-prima: o Pegaso Z-102 Cúpula, produzido em apenas um exemplar, na própria Enasa, como show car. Foi o suficiente para deixar os fãs de carros esportivos de queixo caído e revelar ao mundo todo o arrojo de que a fábrica de Barcelona era capaz.
O desenho do Pegaso Cúpula tinha mesmo que ser feito na Enasa, pois era radical demais para ser confiado à Saoutchik ou à Carrozzeria Touring… Resgatava os conceitos aerodinâmicos dos alemães Wunibald Kamm e König-Fachsenfeld. Em vez de terminar suavemente em forma de gota, a carroceria tinha um corte abrupto na traseira, o que, na prática, reduzia sensivelmente o coeficiente de arrasto.
Era como liberar o carro de um peso morto amarrado à traseira, permitindo alcançar altas velocidades nas retas com mais facilidade. O Alfa Romeo 8C 2900 Le Mans, de 1938, já usava os princípios aerodinâmicos de Kamm. E lembram que Wifredo Ricart havia trabalhado na Alfa antes da guerra? Pois é… Aí está a origem da carroceria Cúpula, executada brilhantemente por Masgrau.
As traseiras Kamm dos anos 1930 eram visualmente pesadas, terminando em uma grande massa de metal. Para aliviar o estilo de seu Pegaso Z-102 conceito, Masgrau bolou uma grande vigia, que envolvia toda a parte superior da traseira, formando uma espécie de cúpula de vidro — daí o nome do carro. Servia também como tampa do compartimento de bagagens + estepe. O era puramente funcional, com inspiração aeronáutica.
Já a dianteira era marcada pelos para-lamas envolventes, que cobriam ¾ da altura das rodas. Atrás também havia saias, dando um perfil baixinho ao carro. Toda essa “pele aerodinâmica” era montada sobre uma estrutura com treliças de finos tubos de aço. Os canos de escape curtos e com tubos de grande diâmetro, bem visíveis logo abaixo das portas, eram um toque final de maldade.

O projeto do Pegaso Cúpula
No Salão de Paris de 1952, o Pegaso Cúpula foi a principal vedete: “Aos modelos da Pegaso não faltaram aplausos. Era geral a convicção de que a indústria espanhola está construindo um dos melhores carros da atualidade”, relatou Helio Esteves Felgas, correspondente da revista brasileira Automóveis & órios.

O Cúpula foi exposto nos salões de Paris e Nova York
Depois de Paris, o Salão de Nova York, em 1953 — onde o Cúpula foi exibido com vistosa pintura amarela, interior verde e pneus de banda vermelha... O carro foi então vendido a Rafael Trujillo, sanguinário ditador da República Dominicana e apaixonado por automóveis esportivos.
Trujillo foi assassinado em 1961, e o Pegaso Cúpula iniciou uma peregrinação com diferentes proprietários: foi vendido em Nova York, em 1968; levado ao México, em 1976; retornou aos EUA, onde foi exposto no Blackhawk Museum, até ser restaurado pelo colecionador alemão Peter Kaus, em 1987. Em 1994, foi exibido em Pebble Beach, com pintura prata e interior vermelho. Em 2015, reapareceu no Concorso d'Eleganza Villa d'Este (na Itália), novamente amarelo, com interior verde-claro, integrando a Louwman Collection, na Holanda, onde está até hoje.
Em 2022, o Pegaso Cúpula ou cinco meses exposto como peça de arte no Museu Guggenheim de Bilbao, junto com joias como Bugatti Type 57SC Atlantic, Lancia Stratos Zero, Alfa Romeo BAT 7 e Ferrari 250 GTO. As “companhias” indicam o patamar do carro desenhado por Masgrau, que continua a ser um dos GTs mais ousados e exóticos já construídos.

Microcarro Aleu Bambi (1952) (1) (1)
Masgrau também trabalhou na criação do Z-104, um Pegaso sedã de quatro portas que não foi adiante, já que a empresa decidiu cortar seus gastos com supercarros e concentrar esforços nos veículos pesados. Em paralelo, o projetista fazia freelas para outras fabricantes espanholas. Um exemplo foi o triciclo Aleu Bambi, uma mistura de microcarro com motocicleta.
Em 1955, Masgrau foi encarregado por Ricart de montar uma nova fábrica da Enasa em Madri — ao mesmo tempo, voltou a cuidar do estilo dos veículos pesados da empresa, como o caminhão Z-207 Barajas. Mas já queria alçar voo próprio: deixou a empresa e montou uma oficina em Madri. O novo negócio, porém, não saiu como ele esperava.

Masgrau e a família - mudança para o Brasil (1)
De Madri para o Rio
E, assim, Masgrau mudou-se para a Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, acompanhado de mãe (Rafaela), esposa (Josefa) e seis filhos, em 1969. Na época, já era um quarentão.
“Ele veio com a cara e a coragem, sem conhecer ninguém, sem dinheiro e sem saber o idioma. Tinha uma pequena empresa mecânica em Madri, quando uma forte recessão econômica quebrou muita gente. Desgostoso, decidiu sair da Espanha e ‘fazer as Américas’, como se dizia. Não conhecia nem sonhava em vir ao Brasil, mas, conversando com amigos, disseram-lhe que o país era promissor, ‘o país do futuro’, e que necessitava de profissionais em todas as áreas, pois estava em franco desenvolvimento. Tinha a opção de ir para o Canadá, mas optou pelo Brasil e nunca se arrependeu”, conta Rafael Masgrau, filho do projetista.
O novo empregador era a Carbrasa, fábrica de ônibus famosa na época.

Carbrasa Flamingo - desenho de Masgrau (2) (1) (1)
Flamingo, um ônibus diferente
Com Masgrau na chefia do departamento de estilo, a Carbrasa lançou, em 1970, o Flamingo — um ônibus rodoviário de luxo, diferente de todos os que já haviam sido feitos por aqui. Construído sobre chassi Scania B-76 (com opções de Chevrolet, Mercedes-Benz e até Magirus-Deutz), tinha linhas incrivelmente modernas para a época. Pode-se dizer que era um descendente do ônibus Pegaso Z-403.
O Flamingo foi desenhado para ter um ótimo coeficiente de resistência aerodinâmica, com seu para-brisa bem inclinado. Seus para-choques eram envolventes (algo raro na época). A carroceria trazia soluções estruturais da indústria aeronáutica e era montada sobre calços de borracha, para evitar vibrações e ruídos. Os bancos dos ageiros corriam sobre trilhos, e havia saídas de ar-condicionado individuais, além de amplos bagageiros. A bossa principal, contudo, eram as portas: a dos ageiros, no lado direito, era de correr. E o motorista dispunha de uma porta no lado direito: era individual e se abria para cima, ao estilo asa de gaivota (ou seria asa de flamingo?).
A Carbrasa, contudo, vinha ando por dificuldades financeiras, má gestão e trocara de dono recentemente. Pediu concordata em 1970 e fechou as portas em abril de 1972, antes que o Flamingo pudesse alçar voos mais altos.

Ilha do Governador, anos 80 - Masgrau e seu Maverick de uso
Caminhões de mineração e Saquarema
Daí em diante, Masgrau não desenhou mais ônibus. Seus novos empregadores eram fábricas de máquinas pesadas, como guindastes Galion, escavadeiras, perfuradoras, motoniveladoras e até os gigantescos caminhões de mineração Wabco. Em 1990, depois de se aposentar da Dresser/Komatsu, ainda teve tempo de inventar um disparador de agulhas para injeção de insulina (para um filho diabético) e esboçar um carro subcompacto que antecipava as linhas do Smart.
“Ele foi um gênio de seu tempo, principalmente quando o assunto era trabalho: mecânica, soluções impactantes em tudo que tocava, reconhecido em todas as empresas pelas quais ou. Adorava contar suas histórias de vida e chegou a escrever uma biografia, com muitos capítulos dedicados à Pegaso e ao orgulho do trabalho que lá realizou”, conta o filho.
Masgrau morreu em 2009, aos 84 anos. O homem que desenhou o revolucionário Pegaso Cúpula ou seus últimos anos em família, pintando e esculpindo, na cidade praiana de Saquarema, na Região dos Lagos, Estado do Rio.
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