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O Eternauta: só os carros antigos sobreviverão ao futuro devastado

Clássicos argentinos brilham na nova série de ficção científica da Netflix

IKA Estanciera (1)
Foto de: Jason Vogel

Colaborou Diego Speratti - “O Eternauta” é uma série argentina de ficção científica que está bombando na Netflix. Lançada mundialmente na semana ada, está em primeiro lugar entre as produções mais assistidas pelo público da plataforma.

A série é baseada na história em quadrinhos "El Eternauta”, criada por Héctor Germán Oesterheld e ilustrada por Francisco Solano López, publicada originalmente em 1957. A trama acompanha Juan Salvo, um homem comum que, junto com sua família e amigos, luta para sobreviver a uma invasão alienígena após uma nevasca tóxica cobrir Buenos Aires, exterminando a maior parte da população.

Os carros da série O Eternauta

A história de Oesterheld, o autor, é tão trágica quanto a de seus personagens. Durante a ditadura militar argentina (1976–1983), suas quatro filhas (duas delas grávidas) foram sequestradas e assassinadas pelo regime. Ele, que era diretor de imprensa do grupo Montoneros, teve o mesmo destino. Até hoje fazem parte da lista de presos desaparecidos.

Com direção de Bruno Stagnaro e um elenco de alto gabarito que traz Ricardo Darín, César Troncoso e Ariel Staltari, as filmagens ocorreram em locais emblemáticos de Buenos Aires, buscando captar o clima opressivo e realista que tornou a HQ tão impactante.

Coisas velhas funcionam (1)
Foto de: Jason Vogel

Aí chegamos ao ponto que justifica esta reportagem no Motor1: na série “O Eternauta”, apenas os carros antigos continuam funcionando após o início da invasão extraterrestre. É que os alienígenas usam uma espécie de pulso eletromagnético (ou algo similar) que desativa toda a tecnologia moderna. Como os veículos antigos não trazem injeção eletrônica nem outros recursos mais recentes, são imunes ao ataque. Os humanos sobreviventes precisam recorrer a tecnologias simples para tentar resistir ao caos.

Sem dar spoilers, podemos adiantar aqui que a série acaba oferecendo um belo panorama da história automobilística argentina, com muitos clássicos submetidos à nevasca. Fizemos um pequeno roteiro sobre os carros, para quem quiser maratonar.

IKA Estanciera (3)
Foto de: Jason Vogel

Ika Estanciera

Produzida pela Industrias Kaiser Argentina (IKA) entre 1957 e 1970, a Estanciera foi uma adaptação local da Willys Station Wagon norte-americana — que também deu origem à Rural Willys brasileira. Enquanto no Brasil a Rural ou por uma “plástica” caprichada em 1960, na Argentina a Estanciera manteve a frente “bicuda” original até 1966.

Os motores também eram diferentes nos dois países. Visão comum até os dias de hoje, a Estanciera sempre se destacou por sua robustez e simplicidade mecânica. O modelo tinha ainda uma versão picape, a IKA Baqueano, bem diferente das nossas Pick-up Jeep (mais tarde Ford F-75).

Citroën Méhari (1)
Foto de: Jason Vogel

Citroën Mehari

O jipinho Citroën Mehari chegou à Argentina em 1971, sendo feito localmente pela Citroën até 1980, quando a marca sa deixou o país. Utilizando o chassi do 3CV, com motor de dois cilindros boxer, refrigerado a ar, de 602 cm³, o Mehari era um modelo leve e extremamente simples, com grande capacidade para aventuras todo-terreno.

Enquanto na França o Méhari (com acento agudo no “é”) tinha carroceria de plástico ABS moldado termicamente, na Argentina o Mehari (sem acento) usava carroceria de fibra de vidro fabricada no Uruguai pela Dasur. A montagem final também era feita no Uruguai, pela Nordex.

Renault 12 Break
Foto de: Jason Vogel

Renault 12 Break

Lançada em 1971, a Renault 12 Break foi fabricada pela Renault em Córdoba até 1992. Conhecida por sua confiabilidade, amplo espaço interno e economia, foi bastante popular como carro familiar — ou “Rural”, como dizem os argentinos. Sua equivalente no Brasil seria a Ford Belina (que também descendia do R12 francês, mas tinha apenas duas portas).

IKA Torino (4)
Foto de: Jason Vogel

Ika Torino

Símbolo da indústria automotiva argentina, o Torino foi lançado em 1966 pela IKA e continuou a ser fabricado após a venda da fábrica para a Renault. Derivado do modelo Rambler American, ganhou identidade própria com desenho da Pininfarina (em carrocerias de duas ou quatro portas) e potentes motores de seis cilindros em linha.

Carinhosamente chamado de “Toro” pelos argentinos, o modelo tornou-se uma lenda das pistas ao chegar em 4º lugar nas 84 Horas de Nürburgring, de 1969. Teria vencido a prova se não tivesse sido punido no tapetão por “fazer ruído demais”: foram 334 voltas, contra 322 do Lancia Fulvia 1.6 HF, vencedor oficial. O Torino permaneceu em produção até 1981.

Ford F-100 (1)
Foto de: Jason Vogel

Ford F-100

A Ford F-100 que aparece na série tem visual bem diferente daquelas que foram produzidas no Brasil. Trata-se da primeira geração fabricada na Argentina — equivalente à quarta geração feita nos EUA. Entre 1961 e 1968, as versões oferecidas eram simples e voltadas para o trabalho pesado no campo e nas cidades. Eram equipadas com o motor V8 292.

Mercedes-Benz 114 casa rodante (2)
Foto de: Jason Vogel

Mercedes-benz 1114 Casa Rodante

Veículo pesado mais emblemático da história da indústria argentina, o Mercedes-Benz LO 1114 dominou totalmente o mercado local entre 1970 e 1988, tanto como caminhão quanto como chassi de ônibus. No transporte coletivo, ficaram famosos como os “bondis” de Buenos Aires, com para-choques cromados e pintura fileteada com muitas cores e arte — de tão emblemáticos, um exemplar foi levado para o museu da Mercedes, em Stuttgart.

Muitas unidades desses ônibus foram convertidas em casas rodantes, tornando-se símbolo de aventura e liberdade nas estradas — quem presenciou a tomada de Copacabana pelos argentinos na Copa de 2014 certamente se lembrará desses motorhomes!

Peugeot 404 (2)
Foto de: Jason Vogel

Peugeot 404

Sua produção na Argentina teve início em 1962 pela Dapasa/Iafa — que logo deu vez à Safrar. Havia desde versões esportivas, como a Grand Prix, até picapes a diesel para trabalho duro. Sua fabricação só foi interrompida no país em 1980, quando a Safrar foi absorvida pela Sevel (operação local Peugeot-Fiat). Mesmo assim, o 404 continuou a ter forte presença no país por longos anos — pintados de preto com o teto amarelo, eram maioria entre os táxis portenhos.

IKA Jeep
Foto de: Jason Vogel

Jeep Ika

Produzido a partir de 1956, o Jeep IKA foi a versão argentina dos Willys CJ-5 e CJ-6. Sua produção continuou até 1978, sendo usado amplamente por forças armadas, serviços públicos e no trabalho rural. Havia versões com chassi longo ou curto e até uma picape com cabine fechada.

Saíam com motor de quatro cilindros (Continental 151, de 77 cv) e, uma curiosidade: a maioria era 4x2, com tração apenas na traseira. Visualmente, a diferença mais marcante em relação aos Jeep fabricados no Brasil eram os para-lamas traseiros (nos argentinos, a abertura era mais baixinha).

Ford Taunus sedán
Foto de: Jason Vogel

Ford Taunus

Projetado na Alemanha, o Ford Taunus foi lançado na Argentina em 1974. Com motor dianteiro e tração traseira, era considerado um carro moderno e elegante para seu tempo, competindo diretamente com modelos médios como o Peugeot 504. Havia versões sedã e cupê (as duas estão em “O Eternauta”).

Em 1981, o Taunus argentino ou por um facelift — é o sedã que aparece na série. Em 1984, o modelo saiu de linha para dar vez ao Ford Sierra. Dá uma pontinha de inveja: o Taunus é o carro que deveria ter sido feito no Brasil, em vez do Maverick…

Auto Union 1000
Foto de: Jason Vogel

Auto Union 1000

O sedã DKW Belcar, fabricado pela Vemag no Brasil, tinha um equivalente argentino: o Auto Union 1000, produzido pela Industria Automotriz Santa Fe (IASF), sob licença da Auto Union AG, de Ingolstadt, Alemanha (hoje Audi). Inicialmente, o modelo F94 era apenas montado como CKD no país hermano, ganhando mais conteúdo local a partir de 1962.

Além do sedã, havia a perua Universal, homóloga à nossa Vemaguet. Enquanto a produção no Brasil foi encerrada em 1967, a linha argentina ainda durou até 1969. E uma curiosidade: até o final, a IASF manteve no Auto Union 1000 as portas dianteiras do tipo suicida, bem como as portas traseiras estreitinhas.

Renault Dauphine
Foto de: Jason Vogel

Renault Dauphine e Gordini

Enquanto a Willys-Overland produzia os Renault Dauphine e Gordini no Brasil (entre 1959 e 1968), a IKA fazia os mesmos modelos na Argentina (de 1960 a 1970). As diferenças eram mínimas, principalmente em frisos, volante, e emblemas. Os argentinos, aliás, fabricaram mais do que nós: foram 97.209 carros entre Dauphine e Gordini, contra 72.627 feitos em São Bernardo do Campo (SP).

Rambler
Foto de: Jason Vogel

Rambler Cross Country

A IKA produziu as terceira, quarta e quinta gerações do AMC Ambassador em Córdoba, entre 1962 e 1972. Um de seus derivados era a station wagon Rambler Cross Country. Enorme, com 4,87 m de comprimento, era equipada com motor seis-em-linha com válvulas laterais e 3,7 litros, que rendia 120 cv (brutos). Era um “american way of life” à moda argentina. Aparece apenas de relance na série, mas é tão diferente que resolvemos citá-la aqui…

Opel K180 - o Chevette argentino
Foto de: Jason Vogel

Opel K180

Outro que é mostrado por apenas uma fração de segundo é o Opel K180. Sim… a GM Argentina também teve o seu Chevette! Era igualmente derivado do Opel Kadett C alemão, mas a versão hermana saía apenas com carroceria sedã de quatro portas.

Mas a principal diferença era o motor de 1,8 litro — derivado do Hi-Thrift 194 usado no Chevy II (e parente do motor do Opala). Enquanto o Chevette fez um sucesso gigantesco no Brasil, o Opel K180 foi um fracasso retumbante na Argentina. Ficou em linha entre 1974 e 1978.

Mitsubishi Galant
Foto de: Jason Vogel

Mitsubishi Galant

Depois de muitos anos de uma indústria fechada, houve uma abertura para importações durante a ditadura militar, num breve período conhecido como “Plata Dulce”. O auge foi entre 1979 e 1981, quando chegaram carros como o japonês Mitsubishi Galant de terceira geração.

Esses importados representavam a “modernidade” da época: eram bem equipados, muito mais avançados tecnicamente e confiáveis. Isso acabou levando a uma renovação da indústria argentina, com o lançamento de modelos como Renault 18, Peugeot 505 e Ford Sierra na década de 1980.

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